A recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Reclamação Constitucional 58.665, em 27/05/2024, trouxe à tona uma importante discussão sobre a legalidade da chamada “pejotização” no contexto da terceirização. O STF concluiu que a contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços, mesmo na atividade-fim da empresa contratante, é lícita, afastando a presunção de que tal prática seja exclusivamente voltada para a redução de custos tributários.
A decisão reacende o debate entre os especialistas em Direito do Trabalho sobre a diferença, ou a falta dela, entre “pejotização” e terceirização. Muitos juristas têm argumentado que o STF incorre em erro ao equiparar esses conceitos, principalmente pela ausência de membros do Tribunal com uma formação mais sólida na área trabalhista.
Entretanto, um exame mais atento da legislação vigente, especialmente das Leis 13.429 e 13.467 de 2017, revela que o conceito tradicional de terceirização, como a contratação de trabalhadores por meio de uma terceira pessoa jurídica, pode não estar mais alinhado com as normas atuais. A legislação, ao contrário do que muitos acreditam, não exige a presença de três partes distintas no processo de terceirização. Em vez disso, ela define a terceirização como a simples delegação de atividades a outra pessoa jurídica.
O artigo 4º-A da Lei 6.019/74, que serve como base para a regulamentação da terceirização, deixa claro que a prestação de serviços a terceiros ocorre quando uma empresa transfere a execução de qualquer de suas atividades, incluindo as principais, a uma pessoa jurídica de direito privado. Esse dispositivo legal não faz menção à necessidade de contratação de empregados pela empresa prestadora de serviços, permitindo, assim, que a prestação seja feita pelos próprios sócios da empresa contratada.
A liberdade conferida à empresa prestadora de serviços para decidir como executará o contrato é reforçada nos parágrafos subsequentes do artigo 4º-A. A legislação autoriza tanto a contratação de trabalhadores pela prestadora quanto a subcontratação de outra empresa para a execução dos serviços. Mais importante ainda, o segundo parágrafo do artigo explicita que não há vínculo empregatício entre os sócios da empresa prestadora de serviços e a empresa contratante, o que legitima a prática da “pejotização”.
Ademais, o artigo 5º-C da Lei 6.019/74 impõe uma restrição adicional para evitar fraudes: proíbe que uma empresa contrate como prestadora de serviços uma pessoa jurídica cujos sócios tenham trabalhado como empregados ou autônomos para a contratante nos 18 meses anteriores, a menos que sejam aposentados. Essa “quarentena” de dezoito meses visa impedir que uma empresa substitua seus empregados por sócios de uma pessoa jurídica, logo após a rescisão do vínculo empregatício, como forma de disfarçar uma relação de trabalho subordinada.
Portanto, a decisão do STF está em conformidade com a legislação trabalhista atual, que permite a “pejotização” como uma forma legítima de terceirização. O entendimento de que “pejotizar” é “terceirizar” está embasado no ordenamento jurídico vigente, e talvez seja o momento de reavaliarmos nossas percepções sobre o tema, levando em consideração as mudanças legislativas e as novas interpretações judiciais. O desafio agora é equilibrar essa prática com a proteção dos direitos trabalhistas, garantindo que a flexibilização das relações de trabalho não se torne um pretexto para a precarização.